Com a aposta na retomada firme da demanda doméstica, a aérea Azul resolveu antecipar o fim do acordo de redução de jornada com os seus tripulantes um ano antes do prazo. O acordo havia sido firmado pela empresa com a categoria em 24 de junho e iria até dezembro de 2021. O objetivo era preservar o caixa da aérea durante no período de baixa demanda da pandemia. Além da retomada, a segurança da companhia em dar este passo veio após o sucesso na emissão de debêntures conversíveis de R$ 1,745 bilhão, que levou o caixa da empresa para R$ 4 bilhões.
A antecipação foi aprovada pelos aeronautas, que votaram sobre o tema entre os dias 26 e 27 de novembro. “Desta forma, a redução de jornadas e salários que iria até o fim de 2021, com a contrapartida de manutenção dos empregos, fica revogada”, escreveu o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), em nota. A proposta foi aprovada por mais de 85% dos copilotos e comandantes e por 72% dos comissários.
Em vídeo interno aos funcionários obtido pelo Estadão/Broadcast, o presidente da Azul, John Rodgerson, disse que o fim do acordo mostra a confiança da empresa em voar. “Sabemos que têm riscos. Mas estou vendo notícia boa sobre vacinas que dá confiança para nós que talvez vamos ter um fim em breve do coronavírus”, disse. “Temos de focar na alta temporada. Vamos voar mais ou menos 80% do que voamos no ano passado.”
A Azul conseguiu o sinal verde dos aeronautas para reduzir salários e jornada no dia 24 de junho. De forma bruta, a redução de salário era de 45% entre o terceiro trimestre de 2020 e o primeiro de 2021, quando o porcentual começa a cair. No quarto trimestre de 2021, a redução na remuneração seria de 25%. Com a ajuda de custo, as reduções líquidas vão de 23% no terceiro trimestre de 2020 para 3% de queda na remuneração no quarto trimestre de 2021. Na mesma linha, a Gol também conseguiu fechar a redução de salários.
A Latam Brasil, entretanto, trava um embate com a categoria desde junho por uma redução permanente na remuneração. A empresa diz que, por ser mais antiga, tem remuneração maior e que a equiparação dos pagamentos seria fundamental para a concorrência e sua permanência no Brasil. O grupo está em recuperação judicial nos Estados Unidos. Depois de várias negativas, 2,7 mil tripulantes demitidos e da ameaça de dispensar outros 1,2 mil, os aeronautas aceitaram, no início do mês passado, conversar com a Latam Brasil sobre o corte definitivo. As negociações continuam.
A redução de jornada foi fundamental para a Azul. No terceiro trimestre, a empresa conseguiu reduziu os custos e despesas operacionais em 40,4% ou R$ 1 bilhão comparado com igual trimestre de 2019. O custo da empresa com salários e benefícios caiu 36% no período, totalizando R$ 309,6 milhões. Na mesma linha, o menor custo com combustível de aviação, 72,1% inferior, colaborou com o menor custo operacional no trimestre. A queda veio principalmente devido à diminuição de 67% na capacidade e a queda de 13% no preço do combustível por litro.
Incertezas
O cenário está longe da normalidade. A demanda por voos no mercado doméstico brasileiro apresentou queda de 44,7% em outubro na comparação com igual mês de 2019, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Apesar de dramático, o cenário mostra avanço na demanda mês a mês, o que tem trazido otimismo aos executivos de companhias aéreas.
Em meio à extrema dificuldade no mundo e a incertezas sobre uma segunda onda por aqui, a Azul está com uma posição de caixa privilegiada, na casa dos R$ 4 bilhões, após a emissão de debêntures. A Gol, concorrente, fechou o terceiro trimestre com R$ 2,2 bilhões. O recurso no caixa da Azul seria suficiente para sustentar a operação da empresa por cinco anos – mantendo-se os níveis atuais de consumo de caixa.
Além desse recurso, a Azul deixou ainda espaço para fazer uma emissão complementar de debêntures conversíveis de mais US$ 100 milhões, já garantida pelos mesmos investidores âncoras (Knighthead Capital Management LLC e a Certares Management LLC), com as mesmas condições e alterando apenas o preço da ação vigente. A empresa tem um ano para exercer esta opção.
“Não vamos precisar tão cedo. Temos poucos pagamentos de dívida até o final de 2021, então vamos tomar essa decisão (emissão complementar) quando ela tiver próxima de vencer. Vamos olhar a posição de caixa e preço de ação e ver se faz sentido exercer essa posição ou não”, comentou Alexandre Wagner Malfitani, diretor vice-presidente Financeiro e de Relações com Investidores da Azul, em teleconferência no último dia 16. O cenário fez a empresa, inclusive, abrir mão dos recursos prometidos pelo BNDES para ajudar o setor – que nenhuma aérea conseguiu acessar até agora.