indústria do turismo foi uma das primeiras a sentir o impacto da crise global causada pelo coronavírus – algumas estimativas alertam para um encolhimento de até 30% no turismo internacional. O cenário é completamente diferente do que imaginava o Airbnb, um dos principais nomes do setor no mundo. No começo do ano, previa-se que a empresa abriria o capital, mas a nova realidade mostrou-se mais dura: o Airbnb demitiu 25% dos funcionários em todo o mundo, incluindo gente no Brasil.
Por aqui, o comando da empresa está nas mãos de alguém que já passou por outras crises de perto em empresas de tecnologia. Leonardo Tristão estava no Google na crise de 2008, e passou outros quatro anos no Facebook. Ainda assim, ele considera que a pandemia é a pior crise pela qual já passou na carreira.
Mesmo com os desafios e incertezas, ele afirma que as pessoas não vão parar de viajar, mas a maneira de como turismo vai se desenvolver no momento pós crise é diferente. Talvez seja a hora de esquecer Paris ou Londres – e quem sabe curtir um destino mais próximo, como uma chácara em Sorocaba. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como foram os últimos três meses para o Airbnb aqui no Brasil?
Difíceis e complexos, como para todos. A pandemia é algo que a nossa geração nunca viu. Por sermos uma empresa global, estamos monitorando o impacto desde em janeiro. Quando chegou no continente europeu, foi o alerta de que não seria algo restrito à China. Nosso primeiro momento foi de respeitar e ter bastante sintonia com as orientações das autoridades sanitárias. Precisamos implementar o protocolo de cancelamento, favorecendo o isolamento social. Então, a gente teve que mudar nosso foco estratégico para entender quais os casos de uso do Airbnb. Não vimos nossa atividade parar, e vimos sinais de segmentos que até cresceram durante o período de confinamento.
Houve tendências de crescimento detectadas? Quais?
Estadias de longa duração, acima de 28 dias, na mesma cidade em que a pessoa mora. Percebemos que as pessoas estavam procurando por locais maiores nos centros urbanos. Houve crescimento de reservas de casas com 3 quartos ou mais durante a pandemia. Em abril, esse tipo de estadia cresceu 34% em relação ao mesmo período do ano passado. Em maio, o crescimento foi de 42%. Ou seja, as pessoas estão usando o Airbnb para fazer isolamento social. Fizemos um trabalho para que a comunidade adotassem políticas mais flexíveis e preços mais atrativos para reservas de longa duração. Hoje mais de 80% dos anfitriões aceitam reservas de longa duração.
A maneira como o Brasil tratou a pandemia causou impacto maior para o Airbnb?
Não observamos nada de diferente em relação a outros países. Vimos que no final de fevereiro e começo de março, o mundo todo estava cancelando reservas na Ásia e na Europa e não via acontecer no Brasil. Agora vemos a retomada de reservas nesses mercados porque o protocolo de abertura já é realidade e ainda não vemos isso no Brasil.
Qual é a expectativa de retomada de negócios no Brasil dado que cada estado está lidando com a pandemia de forma diferente e que o País talvez não tenha passado pela primeira onda?
Se olharmos o comportamento do consumidor vemos três tendências e elas fazem parte da retomada – os mesmos sinais já aparecem aqui. Um é o turismo doméstico ultralocal. Cidades perto dos grandes centros ou de onde a pessoa vive são a bola da vez. As pessoas não vão parar de viajar. Elas vão procurar fazer viagens de carros e já vemos isso nos EUA. No Brasil, estamos medindo o interesse em viajar no volume de buscas na plataforma e isso já cresceu, quando olhamos para o verão de 2021. Isso leva a segunda tendência, que chamo de descentralização do turismo. Haverá menos turismo de massa e mais em cidades fora do eixo de turismo. A terceira tendência é aspecto de limpeza e higienização. Vemos cada vez mais hóspedes tentando entender do anfitrião questões de limpeza. Por isso, desenvolvemos um protocolo de limpeza e higienização, que será implementado a partir desta quinta, 18, aqui no Brasil.
Veremos menos estrangeiros no Brasil?
Acho que é cedo para cravar isso. Se for pelo câmbio, existe uma facilidade muito maior dos estrangeiros virem. Temos uma desvalorização que já chegou a 40%, então está barato Se o Brasil fizer o trabalho direito e arrumar casa na retomada, acho que o câmbio favorece.
Mesmo barato, ser o epicentro global da pandemia não parece muito encorajador…
Estamos falando de um período curto. Se a gente falar de Réveillon não consigo ter sinais. Esperamos que até lá, o pico tenha ficado para trás. Se tiver uma segunda onda, é um outro cenário.
O Airbnb vai entrar no mercado imobiliário tradicional de aluguéis, como faz o QuintoAndar?
Não podemos especular caminhos que vamos seguir. Hoje, os aluguéis estendidos de curta temporada cresceram, mas não saem do nosso modelo. Isso não indica, que o Airbnb irá entrar num mercado mais tradicional de aluguéis.
O sr. já esteve em outros grandes empresas de tecnologia, como Facebook e Google e passou por crises. Essa é a pior delas?
Sem dúvidas. É a crise mais difícil porque não é de um país ou de um segmento. Quando existe uma crise, uma recessão, você sabe que ela vai passar – vai durar dois, três trimestres. Você acaba tendo também projeções de modelos que mostram possíveis sinais de retomada, como comportamentos de consumo. Numa pandemia como essa, cada dia parece um ano. Você tem que entender e diagnosticar como vai priorizar o foco estratégico, porque tem um componente de incerteza e as empresas precisarão se adaptar muito rapidamente. O nosso planejamento não é anual. É mensal, quiçá trimestral, porque todo dia tem uma dinâmica nova.