“Os caçadores entram, matam e levam para comer ou comercializar (animais selvagens) no município”, conta a liderança indígena do Território Araribóia, na Amazônia Maranhense. A liderança não será identificada neste material, assim como as demais fontes indígenas citadas nesta reportagem, a fim de resguardá-las
fisicamente.
“Quando entram no território, cometem vários tipos de ilegalidade que afetam a nossa fauna, a nossa flora e os animais, como o veado e a anta, que estão em extinção”, revelou a líder quanto ao crime cometido contra a biodiversidade.
“Eles matam um, dois, três…”, continuou ela, e a enumeração destaca a recorrência e impunidade dos atos. “Quando eles vão pra pegar madeira, acabam cometendo outros crimes”, completou, denunciando mais atos ilícitos associados à exploração da floresta.
Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a maior parte das apreensões ocorre no oeste maranhense, precisamente, onde se encontram vastas áreas de floresta. O relato da Terra Indígena Araribóia ajuda a localizar a ocorrência desse crime.
O tráfico de animais na Amazônia Brasileira é um problema multifacetado que abrange, desde a caça ilegal, até o contrabando de espécies exóticas. Animais como macacos, aves exóticas, répteis e mamíferos nativos são capturados e comercializados ilegalmente, alimentando um mercado que se estende nacional e internacionalmente.
De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), milhares de animais são retirados ilegalmente da floresta a cada ano. Estima-se que apenas uma pequena fração desses casos seja descoberta e interrompida pelas autoridades.
Desde 2018, o tráfico de animais na Amazônia maranhense tem sido uma preocupação crescente, conforme revelam dados recentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Do ano citado até 3 de março de 2024, foram apreendidos 724 animais vivos e 35 mortos, destacando a magnitude do problema.
Entretanto, em meio a esse cenário, a pandemia trouxe uma redução significativa no fluxo de veículos transitando e dos oficiais, devido ao risco de infecção pela pela Covid 19, refletindo diretamente na diminuição de fiscalizações realizadas. De acordo com o chefe do Núcleo de Comunicação (Nucom) da PRF no Maranhão, Lucas Mourão, o número de animais traficados deve ser ainda mais alto. “Como a PRF é a força que mais fiscaliza crimes ambientais, os traficantes de animais buscam rotas alternativas e, por isso, os números podem ser maiores”, afirmou.
Em 2022, a operação denominada Uirapuru, chamou a atenção para o tráfico de aves silvestres, especialmente na região de São Raimundo das Mangabeiras, São Domingos do Azeitão, Paraibano, Loreto e Balsas, às margens da BR-230. Nessa única ação, 472 aves foram resgatadas, evidenciando a complexidade e a extensão do problema.
A integração entre órgãos como Ibama, PRF, Polícia Militar e Civil, além das organizações não governamentais (ONGs), foi fundamental para o sucesso da operação. No entanto, o desafio de combater o tráfico de animais vai além das ações pontuais. Requer uma abordagem estratégica e coordenada que abranja, desde a conscientização pública até o fortalecimento das leis ambientais.
Um aspecto alarmante é a exploração de pessoas vulneráveis por verdadeiros traficantes de animais. Segundo Roberto Veloso, analista ambiental do Ibama Maranhão, lotado no Cetas (Centro de Triagem e Reabilitação de Silvestres), muitas vezes, indivíduos humildes são assediados e aliciados, utilizados para transportar as aves, por exemplo, alimentando uma rede criminosa sofisticada que se estende para além das fronteiras do Maranhão.
As condições em que os animais são transportados são igualmente chocantes, em gaiolas minúsculas e sem ventilação, levando à desnutrição e ferimentos, em geral, fatais. Além disso, a PRF destaca a importância de procedimentos corretos ao lidarcom os resgates, evitando ações irresponsáveis que possam fragilizar ainda mais os animais.
O combate ao tráfico de animais exige uma resposta integrada e multifacetada. Conforme o chefe do Nucom da PRF no MA, as redes criminosas se modernizaram e se especializaram, exigindo uma abordagem igualmente sofisticada por parte das autoridades.
Sobre a atuação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) no combate ao tráfico de animais, é fundamental destacar que é esse órgão o responsável pela proteção da fauna silvestre nos ecossistemas maranhenses, conforme estabelecido pela Lei Estadual n° 5.405/92. Além disso, deve atuar no licenciamento de criadouros de fauna silvestre, no controle da coleta de fauna destinada à pesquisa científica e no monitoramento de impactos sobre a fauna oriunda de empreendimentos licenciados pela própria Secretaria.
Para combater o tráfico de animais, a SEMA monitora as atividades dos empreendimentos com licenciamento estadual, utilizando relatórios que incluem levantamento, resgate e afugentamento de animais, suscitando a emissão de autorizações específicas. A pesquisa científica também é avaliada com objetivo de emissão de autorizações, com base em documentos e planos de trabalho detalhados.
Os criadores de fauna silvestre, de diferentes categorias, devem possuir licenciamento ambiental específico com atividades acompanhadas por meio de sistemas eletrônicos federais, com informações rastreáveis, a partir das quais a SEMA deve operar. Tais sistemas permitem o monitoramento das operações comerciais, venda e transporte de animais reproduzidos em cativeiros autorizados, fornecendo elementos para a realização de fiscalização nos locais. O cenário de fiscalização nacional Já o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é responsável pela administração das unidades de conservação federais. Para prevenir e combater o tráfico de animais nessas áreas, em geral, o órgão afirma serem necessárias informações de inteligência, a participação da Polícia Federal, Força Nacional e Ibama, além das secretarias e autarquias de meio ambiente e das polícias militares ambientais, presentes nos estados. No Norte e Nordeste, o ICMBio aponta ser onde existe um combate mais consistente relacionado à criação ilegal de animais silvestres, e destaca, principalmente, passeriformes (termo que corresponde à grande ordem da classe de aves), por representar a maioria das apreensões.
A instituição revelou as rotas mais utilizadas na Amazônia brasileira para o crime, que
incluem rios e estradas que conectam áreas interiores com cidades maiores e
fronteiras. São elas: a) Porto de Belém/PA; b) saindo pelo Amapá, em direção às
Guianas; c) no Amazonas, através da fronteira com a Colômbia; d) no Acre, utilizando
as fronteiras boliviana e peruana e, por fim, e) através do município de Pacaraima,
em Roraima, em direção à Venezuela.
No que tange às rodovias federais na Amazônia Legal Brasileira (ALB), a PRF
esclareceu que as pessoas encontradas, com animais silvestres, são detidas,
assinam um termo de comprometimento para comparecimento em juízo e, na maioria
dos casos, são liberadas, diante de crimes de menor potencial ofensivo, de acordo
com a legislação vigente. Em outras situações mais complexas, estes indivíduos são
encaminhados para a polícia judiciária (Civil ou Federal), a caminho da identificação
de organizações criminosas.
Conforme o mesmo órgão, as polícias (Rodoviária Federal, Federal, Civis e Militares),
Guardas Municipais e os órgãos ambientais atuam na fiscalização e prisão nos casos
de flagrante delito. As polícias judiciárias (Civil e Federal) são responsáveis pelas
investigações, e os órgãos ambientais pela aplicação, via de regra, das penalidades
de multa.
Os papéis da SEMA e do Ibama no Maranhão
Voltando ao universo no Maranhão, sobre o monitoramento e fiscalização do
comércio de animais silvestres, a SEMA destacou que realiza operações conjuntas
com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama),
a partir de denúncias, resgatando os animais apreendidos e destinando-os ao Centro
de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama.
O respectivo monitoramento, identificou o município de Codó e áreas circunvizinhas,
como a região com maior número de tráfico de animais, apresentando grande número
de denúncias relacionadas ao tráfico de animais silvestres. As espécies mais
traficadas, utilizadas em sua maioria para consumo, são: tatu, cutia e paca.
Roberto Veloso, analista ambiental do Cetas, do Ibama, destaca a gravidade da
situação, especialmente quando se trata de espécies ameaçadas.
Segundo ele, a ararajuba, por exemplo, é uma espécie ameaçada que continua sendo
alvo frequente do tráfico. Isso apesar dos esforços de fiscalização conduzidos pela
Polícia Ambiental, Ibama e Polícia Militar. No entanto, Veloso aponta uma lacuna na
legislação brasileira que dificulta a efetivação das prisões e a punição dos traficantes.
No Brasil, legislação inconsistente precisa de atualização
A análise das leis pertinentes revela uma necessidade urgente de atualização e
fortalecimento das medidas de proteção à fauna. O analista destaca a Lei de número
5.197 que, ao entrar em vigor em 1967, marcou uma mudança significativa ao
reconhecer a proteção à fauna como uma questão crucial. No entanto, ressalta que
muitos desafios persistem até hoje, principalmente no que diz respeito à falta de
punição efetiva para os criminosos.
O ICMBio destaca as normas que, de acordo com o órgão, são as mais aplicáveis ao
tráfico de animais: a Lei 9.605/1.998 e o Decreto 6514/2008. A instituição revela
serem brandas as penas para os crimes de fauna previstas na 9.605/1.998, muitas
vezes, insuficientes para manter a prisão de traficantes de animais. Isso gera, ainda
segundo o ICMBio, a impunidade e favorece a perpetuação da prática, considerando
a alta lucratividade dessa atividade ilegal.
Além das questões legais, o analista ambiental também aborda as mudanças
ambientais que afetam diretamente as populações animais, como a diminuição de
habitat, devido à expansão agrícola e a caça ilegal, dentro de terras indígenas. Ele
ressalta a importância de compreender a interconexão, entre desenvolvimento e
preservação ambiental, destacando que a Amazônia desempenha um papel crucial
nesse equilíbrio.
Vale fazer distinção entre a caça para subsistência e a caça para comércio ilegal.
Enquanto a primeira, é permitida em situações específicas, a segunda, representa
uma ameaça grave à segurança alimentar e à preservação da vida selvagem.
Em última análise, a luta contra o tráfico de animais silvestres no Brasil exige uma
abordagem que inclua não apenas medidas de repressão, mas também educação
ambiental e aprimoramento das leis de proteção à fauna. Enquanto isso, as vozes
das lideranças indígenas ecoam como um lembrete contundente da necessidade
urgente de proteger e preservar a riqueza incomparável da Amazônia, não apenas
para as gerações presentes, mas, também, para as futuras.
*Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Jounalism Network
Assinam:
Maria Regina Telles, Monalisa Coelho e Camila de Andrade Simões