Mais de seis meses se passaram e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ainda não liberou um centavo do pacote de R$ 6 bilhões para as companhias aéreas. A proposta de financiamento, anunciada no fim de março, é considerada cara e de uso restrito. Os recursos não podem ser usados, por exemplo, para pagar dívidas ou comprar aviões, exigências que, para as aéreas, não fazem sentido.
As negociações demoraram tanto que as empresas aéreas Gol e Azul ajustaram despesas e formaram caixa suficiente para operar com folga até o ano que vem. A Latam também ganhou fôlego importante com a recuperação judicial nos Estados Unidos. Em dezembro termina o prazo para as empresas decidirem se tomarão os recursos do pacote do BNDES, que também conta com participação de bancos privados.
O total previsto do empréstimo é da ordem de R$ 6 bilhões, sendo R$ 2 bilhões para cada companhia – Gol, Azul e Latam. O modelo desenhado prevê que o BNDES entre com até 60% dos recursos, os bancos comerciais com 10% e investidores entrem com 30%. A participação do mercado seria viabilizada por meio de um instrumento híbrido, que combina emissão de debêntures pelas empresas que aderirem à proposta, acrescida de um bônus de subscrição.
De acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em agosto, a Gol liderava o mercado de voos domésticos, com 38,5% de participação, seguida por Latam, com 30,9%, e Azul, com 30,2%.
A Gol anunciou para outubro oferta de 400 voos por dia, pretendendo chegar a 500 voos até o fim do mês, colocando a operação da companhia em 60% do que era em 2019. A empresa espera fechar o ano com 70% a 80% da oferta que apresentava no fim do ano passado.
Em relação às despesas, a Gol fechou acordo de redução de salário e jornada de seus tripulantes por um ano e meio, reduzindo os gastos com folha em torno de 30%. A aérea também renegociou prazos com fornecedores e empresas de arrendamento. E devolveu nove aviões arrendados, reduzindo a frota para 130 aeronaves. Além disso, pagou em agosto dívida, com garantia da Delta, no valor de US$ 300 milhões. E gerou liquidez adicional em setembro de R$ 300 milhões com monetizações de algumas posições em sua carteira de hedge de combustível. Com os esforços, a Gol fechou setembro com R$ 2,2 bilhões em caixa.
A Azul, segundo uma fonte que acompanha as negociações com os bancos, seria a empresa com maior probabilidade de tomar esses recursos. No entanto, a piora do mercado acionário nos últimos meses pode ter influenciado a não contratação do empréstimo até o momento. Isso porque na hora em que a ação da companhia se recupera na bolsa diminui o risco de diluição dos atuais acionistas, via bônus de subscrição.
“O apoio do BNDES e dos bancos privados é uma alternativa, mas se ela [Azul] achar melhor fazer outras coisas [buscar outras soluções de mercado] não terá amarras”, diz um interlocutor.
Uma fonte do setor aéreo afirma que a Azul tinha interesse em usar a linha do BNDES, mas a restrição imposta pelo banco quanto ao uso do recurso para compra de aviões desagradou a companhia. A Azul teria visto a restrição como uma limitação ao crescimento futuro da empresa.
Procurada, a Azul afirmou em nota que “mesmo em meio à pandemia alcançou um dos melhores desempenhos de caixa entre as aéreas do mundo e que, diante da retomada gradual da economia, está avaliando a necessidade de levantar mais capital, numa ação que aconteceria junto ao BNDES ou ao mercado”.
No fim de setembro, John Rodgerson, presidente da Azul, afirmou que o cenário para o setor aéreo estava melhorando e talvez não fosse mais necessário pegar o recurso do BNDES. Segundo o executivo, a Azul tem caixa para operar até o ano que vem e pode esperar uma retomada nos resultados operacionais para “levantar capital no mercado no futuro”.